Fracasso

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Por: Eugênio Mussak

Para começo de conversa, quem nunca experimentou o gosto do fracasso, das duas, uma: ou nunca fez nada na vida e, portanto, jamais se submeteu à possibilidade do fracasso, ou é um super-homem infalível. Sinceramente, nesse caso eu acreditaria mais na primeira hipótese.

Ninguém é infalível, portanto todos estamos expostos à possibilidade do insucesso, e ele aparecerá, acredite, porque está escondido em alguma curva do tempo. É só aguardar. Por outro lado, o fracasso eventual é até útil, pois faz parte do processo de crescimento, aprendizado e aprimoramento pessoal. Ouso dizer que até sinto pena de quem nunca fracassou, pois perdeu uma excelente oportunidade de se transformar para melhor. Mas, claro, vamos examinar esse tema com mais cuidado, para que não pareça que estou fazendo apologia do fracasso.

É muito oportuno, por exemplo, lembrar sempre que você será julgado menos por seus fracassos e mais pelo que você faz com eles. As biografias que interessam, aquelas que ensinam alguma coisa útil ao leitor, costumam não acobertar os insucessos do biografado. Até dão certa ênfase ao assunto, pois o fracasso que antecede o sucesso tem o poder de dar a este um toque de charme. Conta-se, por exemplo, que Thomas Edison teria feito cerca de mil tentativas fracassadas antes de inventar a lâmpada. E a cada experiência sem êxito ele dizia: “Ótimo. Acabei de inventar mais um jeito de não fazer a lâmpada”. E, claro, capitalizava o aprendizado

Pessoas como o inventor americano são dotadas da autoestima saudável que lhes permite absorver a pancada do fracasso e da autoconfiança que os leva a tentar de novo. Elas aceitam o julgamento alheio, mas obedecem mesmo é o próprio julgamento. Ninguém, a não ser a própria pessoa, conhece todas as variáveis que interferiram no processo que a levou a não atingir seu objetivo.

Fracasso representa um fato e significa o mau êxito do mesmo, mas também é o nome que se dá a um sentimento, aquele peso que se percebe no peito quando algo não vai bem e nos culpamos por isso. São fenômenos correlatos, mas independentes. Você pode ter tido um tremendo insucesso e não se culpar por isso, olhar para a frente, utilizar o acontecido como aprendizado e partir para outra. Da mesma forma, você pode ter atingido o objetivo desejado, ser reconhecido por todos, mas conviver com a sensação de que algo está errado. Ou você poderia ter feito ainda melhor, ou o sucesso dependeu menos de você e mais da sorte, ou, ainda, você ganhou a batalha, mas era a batalha errada. O sentimento que deriva dos erros e dos acertos é, portanto, relativo. Repito, com a insistência dos chatos, mas também dos convictos: o que interessa é o que você faz depois. E, para isso, às vezes é preciso visitar o passado para verificar onde foi que a engrenagem do destino emperrou.

A máquina do tempo

Há cerca de 20 anos, o cineasta Steven Spielberg, genial criador de trilogias, filmou o engraçado De Volta para o Futuro. Em cena, um protagonista especial: uma máquina do tempo em forma de automóvel. O jovem Marty McFly entra sem querer na geringonça no lugar de seu criador, o cientista Emmett Brown, e viaja para o passado, retrocedendo à época em que seus pais tinham sua idade. O resultado da aventura é hilário, mas o tema central é o esforço do jovem para não interferir no futuro.

Ele teme impedir seu próprio nascimento. Isso não acontece, mas ele não consegue não interferir de algum modo. Acaba mexendo no passado e termina por modificaro presente. A sorte é que a modificação é boa, e, quando volta do passado, sua vida e a de sua família tinham mudado para melhor. Coisas da cabeça fértil do Steve.

Pois é, a idéia da máquina do tempo, presente nesse filme, é bastante antiga, e – esse é o fato relevante – está ligada menos à curiosidade de conhecer o futuro e mais ao desejo de voltar ao passado com a finalidade de modificá-lo e, com isso, interferir no presente. Não é só o Spielberg que é maluco. E todos nós somos cineastas em potencial.

Tratar a experiência do sucesso e a do fracasso da mesma forma é sinal de maturidade

Quase todas as pessoas que se dizem seduzidas pela idéia de voltar no tempo estão motivadas para fazer alguma coisa que não fizeram ou para não fazer algo que se arrependeram de ter feito. “Ah, se eu pudesse voltar no tempo…”, dizem as titias que não casaram, os homens sérios que não aproveitaram a juventude, os pais que estragaram os filhos com mimos e excessos.

Voltar no tempo é uma fantasia divertida e útil, por estranho que pareça. E é útil porque nos obriga a refletir sobre o que gostaríamos de mudar em nossa jornada, portanto, em nós mesmos. A boa notícia é que, nesse sentido, a máquina do tempo já existe, é barata e acessível a todos nós: é nossa própria consciência. A percepção saudável da realidade permite que façamos uma conexão lúcida entre as experiências presentes e o significado do passado. Parece complexo? Não é tanto como parece, veremos.

Fazendo conexões

Então, atenção – o passado não deve ser compreendido apenas em seus próprios termos, mas também em termos das percepções do presente. Portanto, alterações na experiência presente modificam o significado do passado. Como assim? Deu “tilt”? Então preste atenção: à medida que amadurece, o ser humano vai transformando a maneira de ver o mundo, pois sua escala de valores sofre modificações naturais. O que parecia ter importância aos 17 anos, aos 32 pode parecer ridículo. E vice-versa.

Obedecendo ao mesmo raciocínio, quando terminamos o colégio, não temos preocupações que passamos a ter quando terminamos a faculdade. Nada mais lógico, pois a idade muda os centros de interesse e, com eles, a importância dos fatos que constroem a realidade que nos cerca. Só que os fatos vividos e não totalmente resolvidos emocionalmente costumam se acumular em nosso inconsciente na forma de recalques, que se manifestam e interferem em nosso comportamento sem que tenhamos consciência disso – até porque eles habitam a região inconsciente da mente.

É o passado interferindo no presente. São velhos valores, totalmente desatualizados, invalidados, mas presentes em forma de lembranças inconscientes. Está na hora de acionar a máquina do tempo! Como assim? Ora, abrindo espaço para o exercício do autoconhecimento. A maioria dos erros que cometemos em nossa vida deriva da falta de percepção de nossos alcances e de nossos limites. E aumentar o conhecimento de nós mesmos permite o desenvolvimento de duas qualidades imprescindíveis ao bom funcionamento de nossa vida: a autoestima e a autoconfiança, já referidas acima.

O inconsciente é uma parte do aparelho psíquico regido por leis próprias de funcionamento. Não dispõe, por exemplo, das noções de tempo. Não sabe o que é passadoo que é presente. E é justamente no inconsciente que encontramos os conteúdos reprimidos, que não têm acesso ao consciente por conta de censuras internas. Conteúdos anteriormente conscientes, quando reprimidos por força de algum fato externo, sedimentam-se no inconsciente e podem provocar limitações por toda a vida.

Como falta a noção de tempo, o passado vira presente e nos aprisiona pelos sentimentos que já deveriam ter deixado de existir, uma vez que nossos valores, e os do mundo, mudaram. Costumamos dizer que temos que estar nos atualizando permanentemente, e levamos isso ao pé da letra, mas apenas no mundo profissional, intelectual, tecnológico. Deveríamos também atualizar nossa percepção de nós mesmos, e não apenas do mundo que nos rodeia.

Visitar o passado tem essa grande vantagem, a de limpar os escaninhos. Chamamos esse procedimento de análise, que tanto pode ser com o auxílio de outra pessoa, um profissional de psicologia – o que às vezes é indispensável –, mas também utilizando a prática da auto-análise, através da interiorização, de um corajoso e despudorado mergulho interior. Sem medos, sem pudores e, principalmente, sem autocomiseração, ou seja, sem pena de si mesmo. Trata-se de um exercício fascinante. “Conhece-te a ti mesmo” era a frase predileta de Sócrates, alguém profundamente comprometido com a educação como ferramenta de desenvolvimento humano, e não de passagem fria de conhecimentos. Com sua frase, Sócrates inaugura a moderna psicologia – que tem no mergulho interior e na máquina do tempo suas poderosas ferramentas terapêuticas.

Je ne regrette rien – “eu não me arrependo de nada” –, dizia a pequena grande Edith Piaf. Ela cantou e viveu seus versos mais preciosos: “Minhas mágoas, meus prazeres/ Não preciso mais deles/ Varridos meus amores e meus temores/ Recomeço do zero”. Quanto a mim, é claro que, se pudesse voltar no tempo no bólido do doutor Brown, procuraria fazer algumas coisas de maneira diferente, assim economizaria algum sofrimento. Como isso não é possível, olho para esses momentos com gratidão, pois sempre – e isso não é força de expressão –,sempre que algo deu errado, um novo caminho se abriu, e este, hoje eu acredito, era melhor.

“Sabe quando você pode se considerar uma pessoa adulta, livre e dona de seu destino? Quando, ao se deparar, frente a frente, com o sucesso e com fracasso, conseguir tratar da mesma forma esses dois impostores.” Essa frase é uma licença literária do poema “Se” do escritor e poeta inglês Joseph Rudyard Kipling. Ele chama o sucesso e o fracasso de impostores, pois eles sempre estarão apenas representando. A realidade, a vida como ela é, não tem sucessos, tem momentos de alegria; e não tem fracassos, tem oportunidades de aprendizado.

Fonte: Revista Vida Simples

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