Hoje começarei falando um pouco sobre mudança, seja ela de hábito, de vida, emprego entre outras. Para encerrar, publiquei pra vocês um belo texto, que nomeia este post, e foi escrito pela jornalista Marina Colasanti. O objetivo é refletir sobre como, sem percebermos, vamos nos acostumando com determinadas coisas ou situações com o passar do tempo.
Penso da mesma forma quando falamos sobre alimentação, onde as lojas de fast-food foram chegando e tomando seu espaço, e as pessoas foram se acostumando com a presença delas… Com a correria vivida não existe nada mais prático e, com o passar do tempo, as pessoas se acostumaram a ver ou ter um fast-food próximo à sua casa ou trabalho e acabam recorrendo a ele sempre que o tempo para as refeições fica apertado (o que tem sido comum ultimamente). E assim acontece com muitas outras situações que, quando percebe, já está envolvido num turbilhão de coisas e costumes que foram adquiridos com o passar do tempo.
A mudança de hábito não é fácil, ainda mais quando tal hábito já está inserido no dia-a-dia do indivíduo há muitos e muitos anos. É por isso que é tão difícil mudar hábitos alimentares, por exemplo. Mudar gera estresse, até mesmo quando a mudança é positiva. Isso acontece por não sabermos o que nos espera, sendo necessário enfrentar o desconhecido sem ter a certeza de que tal mudança dará realmente certo. Além disso, assumir os riscos e consequências das nossas atitudes é difícil, gera medo, ansiedade, angústia e alguns até sofrem.
Muitos preferem manter-se como estão, pois estão acomodados com esse jeito de ser e sabem o que esperar nas diversas situações cotidianas. Agir assim é cômodo e, manter um hábito, nos traz a sensação de conforto e segurança.
Iniciar um processo de mudança não é fácil. É preciso, antes de mais nada, aceitar a situação atual e se comprometer com todo o processo. É necessário também ter em mente que este será longo e que provavelmente acontecerão recaídas, algo comum nestes momentos, uma vez que não se muda de uma hora para outra. Estes processos levam tempo e é preciso ter paciência, estando preparado para algumas frustrações e momentos em que a vontade de desistir é grande.
É, a gente realmente se acostuma rápido demais com algumas coisas, e quando percebemos já fomos “engolidos” pelo novo hábito, pela nova situação. Talvez seja interessante refletir sobre a sua situação atual, suas escolhas e decisões…
(*) Adriana Takahashi – Contato: [email protected]
Abaixo segue o texto para reflexão, tenham uma ótima leitura:
“Eu sei, mas não devia”
Marina Colasanti
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)