Sempre escuto de algumas mães: “-Meu filho não come, não sei o que fazer!”. A entrevista com Glauce Hiromi Yonamine*, esclarece algumas dúvidas.
Qual a idade em que há diminuição do apetite da criança e porque isto ocorre?
Geralmente, a diminuição do apetite se inicia a partir do final do primeiro ano de vida porque, nesta fase, ocorre desaceleração da velocidade de ganho de peso e crescimento, a qual se mantém durante a fase pré-escolar. Além disso, a criança começa a se interessar mais em descobrir o mundo ao seu redor, já que começa a andar. Por isso, a alimentação deixa de ser sua principal fonte de prazer.
Como diferenciar a falta de apetite fisiológica da patológica?
É preciso uma avaliação médica para excluir causar orgânicas para a recusa alimentar, como infecções, parasitoses, carências de vitaminas e minerais, distúrbios de deglutição, doença do refluxo gastroesofágico, alergia alimentar etc. Existem alguns sinais que podem auxiliar no diagnóstico entre falta de apetite de causa não orgânica da falta de apetite de causa orgânica. Geralmente, a criança com falta de apetite de causa não orgânica apresenta ganho de peso e estatura adequados e podem-se perceber, especialmente, práticas inadequadas dos pais para a alimentação, devido à falta de orientação e ansiedade deles em alimentar a criança, como:
– alimentar a criança à noite, enquanto ela está dormindo ou sonolenta porque ela não se alimentou direito durante o dia;
– alimentar mecanicamente, estabelecendo horários rígidos para a alimentação, sem respeitar a saciedade ou oferecendo os alimentos como se a criança fosse um objeto inanimado;
– tentar alimentar a criança constantemente, geralmente sem sucesso, independente do apetite da criança, na tentativa de fazer com que a criança aceite mais um pouco de alimento ou bebida;
– forçar a alimentação, mesmo após recusa da criança e contra a sua vontade (por exemplo: abrir a boca da criança e colocar o alimento à força);
– distração condicional, isto é, a criança só aceita a refeição se houver distração (com música, televisão, brinquedos, se estiver andando) e não demonstra interesse em se alimentar;
– prolongar a refeição por mais de 30 minutos, apesar do insucesso em alimentar a criança.
Outros fatores que podem indicar a falta de apetite de causa não orgânica são os problemas de dinâmica familiar e comportamentos inadequados da criança, como seletividade (aceitação de apenas um tipo de alimento ou alimentos de determinada cor), ânsia de vômito antes da refeição ou ao colocar o alimento na boca, e recusa ao alimento (virando a cabeça) quando este é oferecido.
Quais os objetivos da nutrição nos casos das crianças que “não querem comer”?
Os objetivos da nutrição são: garantir crescimento e desenvolvimento adequados; encorajar a formação de hábitos alimentares saudáveis, prevenindo doenças crônicas do adulto, a desnutrição e a instalação de um distúrbio alimentar real.
Como os alimentos devem ser oferecidos às crianças?
De maneira geral, os pré-escolares devem receber de 5 a 6 refeições ao dia (café da manhã, almoço, jantar e de 2 a 3 lanches), em intervalos regulares (a cada 2 a 3 horas), mas sem rigidez, isto é, respeitando os sinais de fome e saciedade da criança. Todos os grupos de alimentos devem ser oferecidos e de forma variada. Os alimentos devem ser colocados no prato em pequena quantidade, permitindo repetição por solicitação da criança. Deve-se desencorajar as refeições noturnas, a oferta de guloseimas e de sucos entre as refeições. As crianças devem se sentar à mesa, realizar as refeições junto com a família, sendo estimuladas a se alimentar sozinhas, mas sempre com supervisão. Em caso de uso de mamadeiras, estas devem ser substituídas pelo copo.
Que estratégias podem ser utilizadas para incentivar o consumo alimentar?
A criança deve ser preparada para a refeição, isto é, avisá-la para ir finalizando a brincadeira ou qualquer outra atividade minutos antes da refeição e ir se “aprontando” para a refeição. Pois, se a criança está completamente envolvida com brincadeiras e é interrompida bruscamente, haverá maior resistência para sentar-se à mesa para a refeição.
Os alimentos devem ser arrumados no prato de forma agradável, podendo ser útil utilizar pratos com divisórias, para aquelas crianças que gostam de ver os alimentos separados.
Nessa fase é comum a neofobia, isto é, resistência a experimentar novos alimentos. É importante variar a forma de oferta dos alimentos e expor a criança ao mesmo alimento de 8 a 10 vezes, em ocasiões diferentes, para que ela aprenda a consumi-los. A oferta do alimento novo no início da refeição, quando a criança está com mais fome, pode facilitar a aceitação. Enfatizar a cor, forma, aroma e textura dos alimentos para despertar o interesse da criança. Os pais devem servir como exemplo, consumindo uma alimentação saudável e variada, pois as crianças se espelham neles. A participação na compra e preparo dos alimentos, de forma lúdica (dar nomes aos alimentos, fazer desenhos com alimentos, ajudar a picar, adicionar ingredientes as preparações) ajuda a aumentar o interesse em consumi-los. Se a criança recusar os novos alimentos, os pais não devem demonstrar ansiedade ou nervosismo, pois isso só gera estresse e piora a recusa alimentar. Nestas situações a criança pode estar querendo chamar a atenção dos pais, sendo necessário dar carinho e atenção em outros horários do dia.
Pode ser utilizada a estratégia de compensação para o consumo de sobremesa caso a criança consuma toda a refeição?
Não se deve exigir que a criança coma tudo o que está no prato, mas sim, permitir que ela respeite os sinais de saciedade. Também não é recomendado insistir, fazer chantagem, pressão, punir ou prometer premiações como a sobremesa. Estas estratégias só pioram a aceitação dos alimentos em longo prazo. A sobremesa e os outros doces não devem ser supervalorizados, mas sim oferecidos eventualmente, como mais uma preparação, com limites quanto ao horário e quantidade. Os alimentos não devem ser divididos em “bons” e “ruins” ou “permitidos” e “proibidos”, pois isso só aumenta a vontade de comer aqueles alimentos que são “ruins” ou “proibidos”.
O ambiente da refeição influencia na ingestão?
Sim, o ambiente deve ser calmo e agradável, sem brigas no momento da refeição, para que a criança tenha experiências positivas em relação à alimentação.
Quais orientações podem ser dadas às famílias?
Os pais devem ser orientados quanto às características da alimentação dessa fase e devem ser tranquilizados para não supervalorizar a diminuição do apetite. Os pais devem oferecer alimentos nutritivos e variados, estabelecer rotinas e horários para a alimentação, oferecer as refeições em ambiente agradável e aceitar a variabilidade da alimentação deste período. Devem saber que as crianças têm o direito de participar na escolha dos alimentos (sempre entre opções saudáveis), de ter preferências e aversões e de decidir o quanto querem comer.
A mamadeira de leite pode ser oferecida no lugar de uma refeição?
A mamadeira nunca deve ser oferecida em substituição à refeição salgada (almoço e jantar), pois a criança não aprenderá a consumir os alimentos destas refeições e sempre manipulará os pais para receber o leite, que geralmente é o alimento mais preferido, pois a criança já está acostumada com o sabor e não precisa mastigar.
É indicado “esconder” verduras entre outros alimentos de melhor aceitação?
Esconder as verduras em outros alimentos bem aceitos não é aconselhável, já que a criança não aprende a comer adequadamente. A criança precisa ver o alimento e saber o que está comendo, pois só assim, aprenderá a ter uma alimentação saudável e variada.
Existe algum suplemento alimentar que possa aumentar o apetite destas crianças?
Na maioria dos casos, as crianças não precisam de polivitamínicos ou suplementos alimentares, já que estes não irão exercer efeito sobre o apetite e não solucionarão o problema. Geralmente, as crianças consomem os nutrientes em quantidade adequada para o ganho de peso e crescimento, quando se avalia a alimentação por períodos maiores do que apenas durante um dia. Em casos de pais muito ansiosos, os polivitamínicos ou suplementos alimentares podem funcionar como placebo, permitindo maior adesão dos pais às orientações e maior sucesso do tratamento, mas isso deve ser avaliado individualmente
*(nutricionista das Unidades de Alergia, Imunologia e Gastroenterologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestranda em Ciências pelo Departamento de Pediatria da FMUSP.
Fonte: NutriTotal
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